2012/06/29

Consciência para um Mundo melhor

Vi a entrevista com Vandana Shiva,  num dos melhores programas da televisão portuguesa, O Tempo e o Modo (RTP2 - 28 de Junho de 2012).
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Vandana Shiva é doutorada em física, escritora e destacada  activista ambiental, nomeadamente em defesa da soberania alimentar, da terra, das sementes e da biodiversidade, contra o oligopólio  das grandes corporações, como a Monsanto. Em 1993, venceu o Right Livelihood Award, a versão alternativa do  Prémio Nobel da Paz. 

Esta senhora alia a física quântica ao activismo social para resistir pacificamente a um sistema que considera ter colonizado a terra, a vida e o espírito. Começou a defender a floresta, as sementes e os modos de vida e produção locais contra o controlo e o registo de patentes feitos pelas grandes multinacionais.

Foi uma entrevista lúcida que permitiu conhecer melhor o pensamento e as razões da militância activa desta mulher natural de um país e de uma cultura com quem temos (nós, ocidentais) ainda muito para aprender. Recorrendo à Internet recolhi mais dados sobre a sua análise acerca deste mundo incoerente em que vivemos.

Destaco, entre outros aspectos importantes do seu depoimento, o alerta que deixa a respeito da emergente conflitualidade interna que se vai formando nos dois gigantes asiáticos, a Índia e a China, países onde se verificam crescentes manifestações populares de contestação social e política (cerca de 100.000 por ano na China, e número idêntico na Índia), e que, segundo ela, virão a constituir problemas sérios nestes países. Têm por base as questões que se prendem com o uso da terra, mas o seu alcance social e económico vai muito mais longe, prenunciando situações de intensa turbulência e conflitualidade.

Shiva remete-nos para as profundas implicações que o sistema capitalista patriarcal tem na construção deste mundo desigual, com consequências dramáticas, como a fome e as alterações climáticas, que, para ela, são sintomas de implosão de uma civilização que falha rotundamente, material e espiritualmente. «A nossa civilização, para sobreviver, terá de rever o seu modelo de compreensão e de interacção com o mundo, tendo como exemplo o conhecimento holístico das civilizações chinesa e indiana, que sobreviveram à História essencialmente porque diferem do Ocidente na relação que estabeleceram com a Natureza»

Sobre a crise actual, a entrevistada diz que esta «não poderá ser resolvida com mais financeirização e mais mercantilização», e denuncia o erro do modelo económico dominante que «desperdiça recursos e pessoas»; e que apesar de se auto-proclamar «eficiente e produtivo, substituiu a produção pela especulação do capital financeiro, e do consumismo». Um modelo cujo único resultado só pode resultar na destruição da Natureza e a da sociedade, acrescenta.

Sobre o proteccionismo, denuncia: «O proteccionismo é descrito como um pecado porque a desregulamentação é estabelecida como a norma. Em 1993, organizamos uma manifestação de meio milhão de pessoas para alertar o governo indiano: - Se vocês assinarem os acordos do GATT, os nossos agricultores vão morrer. Hoje, 250.000 agricultores já cometeram suicídio na Índia. Nós queremos que o governo associe a dívida dos nossos camponeses a políticas específicas de desregulamentação do mercado de sementes, situação que permitiu à Monsanto tornar-se na única vendedora de sementes no mercado do algodão, capturando 95% do mercado de sementes de algodão.  «Precisamos redefinir o proteccionismo para centrá-lo na população e na terra. Um proteccionismo voltado aos ecossistemas do planeta é um imperativo ecológico. Trata-se de um dever social e ecológico, e a ganância das multinacionais não é um direito.»

Para impedir a continuação da degradação das condições humanas e naturais, Vandana Shiva defende uma mudança de paradigma e de visão do Mundo e a necessidade das pessoas se organizarem colectivamente e dizer “Basta”. Chega. «A financeirização da economia e a consequente redução da economia a um casino, e os recursos do planeta e processos em mercadorias privatizadas, são a fonte das crises ecológicas e económicas. Estas crises não podem ser resolvidas por mais financeirização e mais mercantilização.»

E a sua denúncia vai mais longe: «Aquilo a que chamam Livre Comércio não tem absolutamente nada de livre. Não é livre pelo modo como foi concebido. Não é democrático. Cinco multinacionais reuniram-se e redigiram um acordo sobre a propriedade intelectual. Isso permite a empresas como a Novartis, roubar os medicamentos aos pobres e cobrar dez vezes mais caro. Um tratamento contra o cancro custa 10.000 rupias por mês, usando os medicamentos genéricos disponíveis na Índia. A Novartis, claro, quer vendê-los por 175.000 rupias por mês. E quando o tribunal decide que o medicamento não é uma invenção da empresa, porque o tratamento já existia, e que a Novartis não podia reivindicar uma patente, a empresa desafia as leis do país. Um sistema em que 85% da população pode morrer por falta de tratamento é um sistema criminoso.»

Sobre esperança no futuro, Shiva partilha o seu optimismo dizendo: «Vejo sinais de esperança onde quer que haja resistência. Cada comunidade na Índia que luta contra o roubo de terras, que participa do nosso movimento Navdanya, para que as sementes continuem sendo um bem de todos. Todos os que rejeitam a economia suicida da Monsanto, praticando uma agricultura biológica, ou todas as comunidades que lutam contra a privatização da água. Tudo o que se passa nas ruas de Madrid, da Irlanda, da Islândia, na Grécia, os resultados do referendo nuclear na Itália… Esses, são, todos, sinais extraordinários de esperança.»

E sintetiza a fórmula da solução: «Tudo o que precisamos é de uma nova convergência. Uma convergência global de todas as lutas. Assim como a libertação de nossa imaginação. Não há limites para o que podemos criar.»